A espera foi bem vivida. Quando veio, me acostumei rápido com aqueles passinhos entre os meus, com as mordidinhas de carinho nos cabelos e nas orelhas, com o som que parecia um "currupio" dentro da boca. Desse jeito, arrancava sorrisos meus fácil, fácil. Antes de ser uma chateação, acordar cedo nunca me fez tão bem. Antes despercebido, agora o chão de taco era palco para doces travessuras. Minhas tardes em casa estavam sendo as melhores possíveis. Aí, sem aviso prévio, o que parecia impossível, aconteceu. O vazio, o nó na garganta e todas aquelas impressões que eu só tinhaouvido falar tomaram conta de mim. O chão ficou frio, sem cor, sem vida. Mas espera, ainda existia cor ali. Podia não ser a mesma, mas pedia pela minha atenção. Aguardava ansiosa para dançar de novo, do jeitinho dela. Eu não resisti e aceitei tal convite. Foi aí que eu entendi que nada passa, mas que é preciso continuar sempre.
Ela fica atenta ao soro que nutre o corpo fraco e desbotado. Disfarça em lamentos a preocupação em perder aquele com quem divide há tantos anos a rede crua, presente de casamento. Com 93 anos, deu ao mundo 17 filhos e recebeu do mundo a experiência que precisava. Agora, entre paredes brancas descascadas, em um humilde leito, ele cobre-se de um frio de doer os ossos e de arrepiar os cabelos brancos que ainda lhe restam. Restam também lembranças da vida que sua memória teima em falhar. É o esquecimento, que vem para ajudar a abandonar o peso daqui. Só assim, tem-se leveza para partir.